Conta Divaldo Franco numa palestra:
“Joanna de Ângelis, fazendo uma análise da nossa Casa, o Centro Espírita Caminho da Redenção, faz três anos, propôs-nos novas diretrizes para o Centro Espírita onde mourejamos. Essas diretrizes ela apresentou em três verbos: ESPIRITIZAR, QUALIFICAR, HUMANIZAR.
Pode parecer um absurdo espiritizar o Centro Espírita e um
tanto paradoxal. No entanto, há Centro Espírita que só tem o rótulo mas não tem
espiritismo. Vamos por partes, porque é muito delicado.
Fui convidado a proferir uma conferência em
um Centro Espírita no sul do país. Normalmente, quando recebo convite, não
atendo, porque pode ser entusiasmo da pessoa. No segundo convite eu digo: “para
o ano, volte a escrever.” Isso é para ver se a pessoa está mesmo interessada. Para
o ano a pessoa volta a escrever e eu digo: “para o ano, na programação, nós
vamos agendar.”
E, naquela Casa, fui postergando por um
período de seis a oito anos, por falta de tempo, até que o presidente insistiu
tanto que fiquei constrangido e dei um jeito.
Disse-lhe, na carta: “mande-me as datas que
lhe são ideais e eu escolherei aquela compatível com minha programação.”
Estabelecemos a data e por seis meses correspondemo-nos e tudo foi muito bem.
No dia marcado cheguei à cidade e fui a uma
bela instituição. Edifício monumental. Uma grande sala. Quando cheguei à porta,
fui recebido por uma comissão muito gentil e estabeleceu-se o seguinte diálogo:
- Senhor Divaldo, o Presidente pede
desculpas por não ter podido vir receber o Senhor.
Eu disse: “é muito natural, não há
problema.”
- Aqui está o Vice-Presidente, o
Secretário, o Tesoureiro, e nós desejamos recebê-lo, porque o nosso Presidente
está, no prédio vizinho, fazendo cromoterapia.
- “Eu não sabia que ele era cromoterapeuta,” falei. “Ele é profissional,
naturalmente?”
- “Não! Ele é espírita”, responderam-me.
- Deixe-me ver: ele é o Presidente do
Centro e é o presidente da cromoterapia? Ele me convidou para vir aqui durante
oito anos. Marcou a data e foi fazer a cromoterapia!
- É porque a cromoterapia é muito
importante. Está salvando milhares de vida.
- Que graça! Eu sempre pensei que o
Espiritismo está salvando milhões de vidas.
Será esta a imagem de um Centro Espírita?
Em absoluto. O Centro Espírita não tem que se envolver com nenhuma terapia
alternativa. É até um desrespeito, porque o cromoterapeuta é alguém que estudou. Ele tem sua clínica e o Centro
Espírita não se pode transformar numa clínica alternativa. É lugar de
transformação moral do indivíduo, onde se viaja ao cerne do problema para
arrancá-lo. Se transformarmos um Centro Espírita em uma clínica, para lá vão
pessoas aturdidas. Qualquer coisa esdrúxula que anunciemos no jornal haverá uma
massa incontável que adere por necessidade de pedir socorro.
Mas o Espiritismo não ilude, não mente e
nem posterga a ação, porque ele é herança de Jesus. E Jesus, com todo o amor,
dizia a verdade. Seja o nosso falar: sim, sim, não, não, conforme Ele o fazia.
Não iremos dizer de forma grotesca ou agressiva, mas iremos dizer de uma forma
verdadeira. É melhor, às vezes, perder o amigo agora porque não conivimos e o
termos depois, do que o apoiarmos e o perdermos em definitivo, quando ele notar
a nossa fraude.
Então, Joanna de Ângelis manda ESPIRITIZAR.
Tenho ouvido oradores em casas Espíritas
apresentarem temas maravilhosos, mas que não são nada espíritas. Temas que
podem narrar no Rotary, na Maçonaria, no Lions, numa reunião social. Na Casa
Espírita pode-se abordar qualquer tema, à luz do Espiritismo. Fazer as
conotações espíritas.
Se aconteceu uma tragédia na cidade vamos
examiná-la, à luz do Espiritismo. Está no momento da clonagem. Vamos falar
sobre clonagem, à luz da Doutrina Espírita. Está nos noticiários a corrupção.
Vamos falar sobre a corrupção e a terapia Espírita.
Infelizmente não está ocorrendo isso.
Convida-se, às vezes, oradores admiráveis, fascinantes, porém, totalmente
deslocados. Palestras que se pode ouvir em qualquer lugar.
Na Casa Espírita vão as pessoas
atormentadas, buscando consolação, com a alma despedaçada pela morte de seres queridos
e, se ouvem uma coisa que nada tem a ver com a proposta da Doutrina Espírita,
saem desoladas. Agindo assim, estaremos fraudando a proposta do Espiritismo.
Temos visto congressos espíritas - não é
crítica, é análise – em que se aborda Terapia pela dança. É uma maravilha. Mas
não num congresso espírita. Vamos fazer isso num congresso de Yoga, que
respeitamos muito, ou num congresso de psicoterapia e então coloquemos música,
metais, cristais, mas não num congresso espírita.
Ah! É porque nossos irmãos estão doentes,
justificam. Nesse caso, falemos das causas das doenças. Das causas anteriores
das aflições. Das causas atuais das aflições.
A terapia da dança podemos encontrar em
qualquer setor do mundo social, respeitável e nobre. Mas quando vamos à Casa
Espírita, esperamos encontrar a proposta espírita.
O Centro Espírita tem que ser o lugar de
Doutrina Espírita.
Daí o Centro Espírita tem que ser
espiritizado. É a proposta de Joanna de Ângelis.
A segunda vertente de sua proposta é QUALIFICAR.
Vivemos hoje a época da qualidade total.
Qualificação é indispensável. Nós, às vezes vamos à Casa Espírita com nossos
hábitos ancestrais, o que é natural. Mas o fato de entrarmos na Casa Espírita
não muda nossa existência. Levamos a nossa qualificação muitas vezes empírica,
singela, e vamos exercer certas funções para as quais não estamos qualificados.
Vemos, por exemplo, um literato, que não
entende absolutamente de contabilidade, sendo o tesoureiro do Centro. Vamos ver
o indivíduo aplicando a terapia dos passes, mas que, de maneira nenhuma se
preparou para isso. Vamos ver no atendimento fraterno uma pessoa que tem muito
bom coração mas não tem o menor tato psicológico.
Temos que qualificar-nos.
O que é
qualificar? É adquirir características essenciais, típicas das finalidades
que vamos exercer na vida prática.
Se eu, por exemplo, quero dedicar-me ao
atendimento fraterno, devo fazer um curso. Por isso, os Centros Espíritas devem
estar vinculados ao chamado movimento organizado, porque as nossas Casas Federativas
dispõem de equipes para nos esclarecer, para nos informar, para ministrar
cursos.
Quando vemos, por exemplo, a Federação
Espírita do Paraná (FEP), oferecer-nos o jornal Mundo Espírita por um preço
irrisório, que muitos ainda não pagam, chegar às nossas mãos todo o mês, com
pontualidade, trazendo-nos mensagens libertadoras de consciência, comovo-me com
esse trabalho.
Se ligarmos o rádio, aí está um programa de
orientação espírita, o Momento Espírita, já transmitido por uma cadeia de
rádios em várias cidades do País. Seria interessante se cada um dos senhores,
nas suas cidades, entrassem em contato com a FEP e, ao invés de fazer programa
de rádio sem nenhuma habilidade, sem qualificação, colocassem o programa que é
transmitido em Curitiba, que é de excelente qualidade, narrado por pessoa
qualificada, desde a voz, uma voz agradável, muito bem empostada. É uma
mensagem muito bem trabalhada, apresentando várias conotações para o
enriquecimento das pessoas espíritas e não espíritas.
Muitas pessoas confundem qualificação com
elitismo. E as pessoas dizem: “está elitizando!”.
Minha mãe era analfabeta e eu dialogava com
ela. Qualificamo-la. Ela tornou-se uma excelente bordadeira, uma excelente
cozinheira. Conheço tanta gente instruída que não sabe enfiar a linha na agulha
e que não sabe pregar um botão.
Daí, meus amigos, qualificar não é
elitizar, não é intelectualizar. É equipar de recursos para fazer bem aquilo
que gostaria de fazer. Evitar o aventureirismo.
HUMANIZAR -
Humanizar é fazer com que nós, de vez em quando, tornemos à nossa simplicidade,
ao nosso bom humor, ao nosso lado humano. A vida nos impõe rotinas e, quando
menos esperamos, estamos fazendo aquilo rotineiramente, sem emoção. Nós nos
transformamos em máquinas.
Visitei uma instituição e uma senhora me
disse assim: “Ah! Irmão Divaldo, não agüento mais. Estou cansada de fazer
caridade. Eu não agüento mais, é tanto pobre. Eu disse: “minha filha, então
deixe”. Ela: “O Senhor está me mandando deixar de fazer a caridade?” Eu disse:
“Não, eu estou mandando você descansar, porque a caridade está lhe fazendo mal.
Já imaginou a caridade fazer mal a quem a faz? Algo não está funcionando! Ou
você está exibindo-se sem o sentido de caridade, me perdoe a franqueza, pois
quero lhe ajudar, ou você está saturada. Faça uma pausa”.
Ela: “o que será dos pobres?” Eu: “Minha
filha, eles são filhos de Deus. Antes de você chegar Deus já tomava conta. Você
está só dando uma mãozinha para você, não para eles, porque, afinal, isso aqui
nem é caridade, é paternalismo. Você está mantendo muita gente na miséria, que
já podia estar libertada, porque você me disse que já atendeu a avó, a filha e
agora está atendendo a neta.
Como é que você conseguiu manter na miséria
três gerações? Que a avó e a filha fossem pobres necessitadas, é aceitável, mas
a neta já teríamos que libertar da miséria de qualquer jeito. Colocando-a na
escola, equipando-a, arranjando-lhe trabalho. Isso não é caridade. Está lá no
Evangelho: “Transformai as vossas
esmolas em salário”.
Então, repouse um pouco. É uma rotina. Você
quer abarcar um número de pessoas que você não pode abraçar. Diminua. Faça com
qualidade e procure fazer em profundidade. Faça o bem.
Nós não podemos salvar o mundo e perder a
nossa alma. A tese é de Jesus Cristo: “Que vos adianta salvar o mundo e
perder-se a si mesmo!” Nós não estamos aqui para salvar o mundo. Estamos aqui
para salvar-nos e ajudar o mundo para que cada um nele se salve.
Então, humanizar é neste sentido. É esta
proposta de voltarmos a ser gente. Não ficarmos nos considerando muito
importantes. O Presidente do Centro, o dono do Centro, o super-médium, a pessoa
mais formidável do século. Voltarmos às nossas origens. A simplicidade de
coração, a afabilidade, a doçura (textos do Evangelho Segundo o Espiritismo), a
cordialidade, o bom trato. Se o doente é insistente, se o pobre é impertinente,
nós estamos ali porque queremos. Não foi o pobre que pediu para nós irmos lá.
Nós é que nos oferecemos. Então temos a escusa de estarmos cansados, de
estarmos irritados. “Eu também tenho problemas”. Então vá resolver seus
problemas. Não os traga para a Casa Espírita. E notem que esta tríade está
perfeitamente de acordo com o pensamento kardequiano: trabalho, solidariedade e
tolerância.
Qual é o trabalho? ESPIRITIZAR-SE. O
trabalho de adquirir o conhecimento espírita, de perseverar no estudo. Minha
mãe era analfabeta. Eu lia para ela, estudava, comentava. Ela acompanhava.
Aprendeu a Doutrina Espírita dentro dos seus limites.
Solidariedade. QUALIFICAR-SE, para
servir melhor, para ser mais solidário.
Tolerância: ser mais HUMANO. Quando
somos mais humanos, somos tolerantes. E esta tríade não é propriamente de Allan
Kardec. Ele a tirou de Pestalozzi, seu professor, que tinha como base
educacional três palavras: trabalho, solidariedade e perseverança. Allan
Kardec, que foi seu discípulo, tomou a tríade e adaptou-a, substituindo perseverança
por tolerância.
Assim, o Centro Espírita é a nossa oficina.
Quando nós entramos na Casa Espírita devemos sentir os eflúvios do amor, da
fraternidade. Não é o lugar dos conflitos, das picuinhas, das nossa
dificuldades, das nossas diferenças, que nós as temos, mas das nossas
identidades, das nossas compreensões, do nosso esforço para sermos melhor.
Daí a
nova proposta do Centro Espírita: voltar às bases do pensamento de Allan
Kardec. Reviver o trabalho, a solidariedade e a tolerância. Sermos realmente
irmãos. Esta é a nossa família ampliada. Se entre aqueles com os quais
compartimos idéias, que são perfeitamente consentâneas com as nossas, nós temos
dificuldades de relacionamento, como é que iremos nos relacionar com o mundo
agressivo, com a sociedade que não nos aceita, com aqueles que nos hostilizam,
com aqueles que nos perseguem?
O Centro Espírita é o lugar
onde nós treinamos as virtudes básicas: a fé, a esperança e a caridade.
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